de Dorian Anderson Soutto
Fico pensando se eu não sou um fariseu dos tempos modernos. Minha maneira de pensar muitas vezes não é diferente do que era um fariseu na época de Jesus. Conheço a Deus, estudo Deus, mas às vezes me coloco em um pedestal como se fosse melhor que outras pessoas. Fico a coar um mosquito e não vejo um camelo. Outras vezes no intuito de agradar a Deus, acabo esquecendo-me do próprio Deus, e não o reconheceria se Ele estivesse pessoalmente a um palmo de meu nariz.
Há alguns anos atrás tive uma experiência que fui entender somente através do tempo, e cada vez que lembro o ocorrido parece que aprendo algo mais. Uma delas é que eu posso pensar e agir como um fariseu.
Vamos ao fato…
Lá estava eu no asilo municipal em um domingo de sol fazendo uma visita juntamente com um amigo. Ele tem um ministério com os idosos e faça chuva, faça sol, este meu amigo sempre está lá. E através dos anos foi confirmada sua fidelidade em levar a palavra para aquelas pessoas que um dia foram como nós – tiveram uma família como nós.
As vezes este meu amigo vai sozinho, outras vezes algumas pessoas o acompanham, e neste dia eu era uma delas. Assistia aquele jovem levar a mensagem a uma dezena de senhoras e senhores com os olhos fitos nas cartolinas com desenhos bíblicos. Tudo isto ocorre no pátio e logo após nos direcionamos aos quartos para visitar aqueles que estão impossibilitados de sair.
Em um dos quartos havia alguém que já chamávamos de irmão devido a sua decisão de entregar a vida a Cristo. Mas também tinha um senhor que eu não conhecia, que estava ali estático, totalmente imóvel com boca e olhos abertos olhando para o teto. Como eu ainda estava no corredor olhando para dentro do quarto, puxei uma pessoa que é mais antiga na cidade e perguntei quem era. Ela me falou o nome e sussurrou que aquele tinha sido um homem terrível, uma das pessoas mais ruins que havia conhecido.
Já dentro do quarto notei fralda e escaras. Significava que aquele corpo magro já estava naquela posição há muito tempo. Ao lado direito do quarto um senhor falava alto e sorria e no lado esquerdo apenas um corpo sobre a cama. Minha mente já tinha formado um conceito ruim sobre o homem estirado na cama. Inconscientemente eu estava dizendo “está pagando pelo que fez”..
Chegou a hora de ir embora e antes de sairmos o velhinho sorridente que chamávamos de irmão pediu para que cantássemos um cântico que ele tinha ouvido nós cantarmos lá fora no pátio. “O grande amor do Senhor” dizia ele. Sem problemas! Trouxeram o violão e começamos a louvar a Deus: “O grande amor do Senhor nunca cessa…”
Quando estávamos quase no final do cântico eu observei algo no rosto daquele moribundo totalmente imóvel. Uma copiosa lágrima saiu de seus olhos, sua feição não mudou, mas lagrimas começaram a rolar por sua face. Aquilo me comoveu, pensei comigo que o cântico o teria feito, mas através dos anos Deus foi colocando em meu coração que naquele quarto havia duas pessoas que tinham se reconciliado com o Pai. O poder da palavra de Deus…
Aquele homem parecia não ter qualquer contato com o mundo exterior, quem olhava para ele diria que apenas estava aguardando a morte, estava ali sem poder falar, condicionado a apenas olhar o teto. Onde estavam seus familiares? Seus amigos? Com certeza pela sua ruindade tinha sido deixado por todos. Apenas uma enfermeira o visitava vez ou outra para limpá-lo e alimentá-lo.
Mas louvado seja Deus que não esquece de nós, o grande amor do Senhor nunca cessa, ele move os céus e a terra para salvar um dos seus pequeninos, cria situações para que a palavra chegue aos ouvidos de suas ovelhas. Aquele homem ouvia a palavra todas as vezes que era pregado ao seu parceiro de quarto, e quem sabe não entregou sua vida a Cristo no mesmo dia de seu parceiro? Quem sabe as lágrimas não foi um meio de comunicar com o mundo externo que o grande amor do Senhor chegou até ele. Nós não sabemos a batalha que aquele homem travava em sua mente, mas a voz do Senhor trovejou, ela é poderosa, quebra o cedro do Líbano e esmiúça a rocha.
Algum tempo depois fiquei sabendo que ele morreu… Se dependesse de mim, eu fariseu, aquele homem não teria sido salvo. Não movi uma palha para a mensagem chegar até aquela alma.
Mas Deus sim! Embora somos infiéis, Ele permanece fiel.
Fiquei entristecido e até mesmo envergonhado por não ter atentado para aquele momento de outra forma, mas Deus me colocou como espectador naquela hora para ensinar-me preciosas lições.
Mudamos muito rápido nosso conceito de valores, nos preocupamos com a liturgia do culto, com a corda do violão, com o relógio, com a visita no asilo, mas Deus vem e me ensina que uma vida vale mais que o tesouro do mundo todo. O nosso mestre não tinha um microfone, não tinha uma igreja suntuosa, folhetos e outros apetrechos. Mas tinha a água da vida que por onde passava dava de beber aos seus pequeninos. Nunca o vimos curar por atacado, ele ia individualmente, olhava nos olhos e sabia o valor de cada alma. Assim é o nosso Pai, ele nos chama pelo nome e nós reconhecemos a sua voz.
Levemos o doce evangelho a toda criatura, porque a ardente expectativa da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus… Na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. (Rom 8:19-21).
Bendita seja a hora em que pecador e redentor se encontram, momento em que os céus festejam e a gloria de Deus é manifestada.
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Minha igreja e meus irmãos e A moça do shopping.
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