de Max Lucado

Pouco mais de vinte e sete metros de altura. Mil trezentas e vinte toneladas de concreto armado. Posicionada numa montanha dois mil e quatrocentos metros acima do nível do mar. E a famosa estátua do Cristo Redentor que se eleva acima da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.

Não há turista que vá ao Rio e não serpenteie ladeira acima no Corcovado para ver esse agigantado monumento. Apenas a cabeça tem quase três metros de altura. A envergadura de ponta a ponta dos dedos — quase vinte metros.

Quando morei no Rio, vi a estátua dezenas de vezes. Mas nenhuma vez me impressionou tanto quanto a primeira.

Eu era estudante universitário passando férias no Brasil. Exceto por escapadelas através da fronteira mexicana, esta era a minha primeira viagem fora dos Estados Unidos. Conhecia esse monumento apenas por meio da revista National Geographic.

Iria descobrir que nenhuma revista pode verdadeiramente captar o esplendor do Cristo Redentor.

Abaixo de mim estava o Rio. Sete milhões de pessoas fervilhando nas luxuriantes montanhas verdes que se precipitam no azul vivo do Atlântico. Atrás de mim estava a estátua do Cristo Redentor. Enquanto olhava a gigantesca estátua através de minha lente telefoto, duas ironias me chamaram a atenção.

Não podia deixar de notar os olhos cegos. Ora, sei o que você está pensando — todas as estátuas têm olhos cegos. Você está certo, têm mesmo. Mas é como se o escultor dessa estátua tivesse tencionado que os olhos fossem cegos. Não há pupilas para sugerir visão. Não há círculos para sugerir vista. Há apenas aberturas bem arredondadas.

Abaixei a máquina fotográfica até a cintura. Que espécie de redentor é este? Cego? Olhos fixos no horizonte, recusando-se a ver a massa do povo a seus pés?

Vi a segunda ironia quando novamente ergui a minha má-quina. Fui acompanhando as feições para baixo; passei pelo nariz forte, passei pelo queixo proeminente, passei pelo pescoço. Meu foco se deteve no manto da estátua. No lado de fora do manto está um coração. Um coração bem curvo. Um coração simples.

Um coração de pedra.

O simbolismo involuntário me abalou. Que espécie de redentor é este? Coração feito de pedra? Mantido firme, não com paixão e amor, mas com concreto e argamassa. Que espécie de redentor é este? Olhos cegos e coração de pedra?

Desde então aprendi a resposta à minha própria pergunta: Que tipo de redentor é esse? Exatamente a espécie de redentor que a maioria das pessoas tem.

Oh, a maioria das pessoas não admitiria que tem um redentor cego e com um coração de pedra. Mas olhe com mais atenção.

Para alguns, Jesus é um amuleto para dar sorte. O “Redentor Pata de Coelho”. Tamanho de bolso. Conveniente. Facilmente empacotável. Facilmente compreendido. Facilmente diagramado. Pode-se colocar seu retrato na parede ou pode-se colocá-lo na carteira como seguro. Pode-se emoldurá-lo. Dependurá-lo no espelho retrovisor ou colá-lo no painel de instrumentos.

A especialidade desse redentor? Livrá-lo de uma enrascada. Precisa de um lugar para estacionar? Esfregue o redentor. Precisa de ajuda num teste? Tire para fora a pata de coelho. Não é preciso ter um relacionamento com ele. Não é preciso amá-lo. Apenas mantê-lo no bolso perto do seu trevo de quatro folhas.

Para muitos, ele é um “Redentor Lâmpada de Aladim”. Novos empregos. Cadilaques cor-de-rosa. Cônjuges novos e melhorados. Seu desejo é uma ordem para ele. E melhor ainda, ele convenientemente volta para dentro da lâmpada quando você j á não o quer por ali. Para outros, Jesus é um “Redentor Silvio Santos”. “Está bem, Jesus, façamos um trato. Cinqüenta e dois domingos por ano, colocarei uma fantasia — paletó e gravata, chapéu e meias — e aguentarei qualquer sermão que jogar para o meu lado. Em troca, você me dá a graça que fica atrás do portal de pérola número três.”

O Redentor Pata de Coelho. O Redentor Lâmpada de Aladim. O Redentor Sílvio Santos. Poucas exigências, nenhum desafio. Nenhuma necessidade de sacrifício. Nenhuma necessidade de dedicação.

Redentores sem vista e sem coração. Redentores sem poder. Não é assim o Redentor do Novo Testamento.

Compare o Cristo cego que vi no Rio com o Cristo compassivo visto por uma mulher amedrontada certa madrugada em Jerusalém (João 8:1-11).

Raia o dia. O sol nascente estende um cobertor dourado por sobre as ruas da cidade. Diamantes de orvalho agarram-se às folhinhas de grama. Um gato se espreguiça ao despertar. Os ruídos são esparsos.

Um galo entoa seu recital matutino.

Um cão ladra para dar as boas vindas ao dia.

Um camelô desce a rua arrastando os pés, seus artigos às costas.

E um jovem carpinteiro fala no pátio do Templo.

Jesus está sentado, cercado por um grupo de ouvintes. Alguns movem as cabeças assentindo e abrem os corações em obediência. Aceitaram o mestre como seu mestre e estão aprendendo a aceitá-lo como seu Senhor.

Outros são curiosos, querem crer, mas estão desconfiados desse homem cujas reivindicações forçam tanto os limites da crença.

Quer curiosos, quer convencidos, eles ouvem atentamente. Levantaram-se cedinho. Havia algo com relação às palavras dele que era mais confortador do que o sono.

Não sabemos qual o seu tópico naquela manhã. Oração, talvez. Ou talvez bondade ou ansiedade. Mas fosse qual fosse, logo foi interrompido quando um bando de gente invadiu o pátio.

Determinados, eles irrompem de uma rua estreita e dirigem-se a Jesus pisando duro. Os ouvintes se amontoam para abrir-lhes caminho. A horda é constituída de líderes religiosos, os presbíteros e diáconos daquela época. Homens respeitados e importantes. E lutando para manter o equilíbrio na crista dessa onda bravia encontra-se uma mulher semi-despida.

Apenas momentos antes, estivera na cama com um homem que não o seu marido. Era assim que ela ganhava a vida? Talvez sim. Talvez não. Talvez o marido tivesse partido, seu coração estivesse solitário, o toque do estranho fosse cálido, e antes que pudesse perceber o que fazia, ela o havia feito. Não sabemos.

Mas sabemos que uma porta foi aberta à força e ela foi arrancada de uma cama. Mal teve tempo de cobrir o corpo antes de ser arrastada para a rua por dois homens da idade de seu pai. Que pensamentos lhe percorriam a mente enquanto ela se debatia para manter-se em pé?

Vizinhos curiosos enfiavam as cabeças por janelas abertas. Cães sonolentos ladravam para o tumulto.

E agora, com passadas decididas, a turba se precipita para o mestre. Jogam a mulher na sua direção. Ela quase cai.

— Encontramos esta mulher na cama com um homem! — Brada o líder. — A lei diz para apedrejá-la. O que o senhor diz?

Arrogantes com coragem emprestada, eles dão um sorrizinho afetado enquanto observam o rato ir atrás do queijo.

A mulher esquadrinha os rostos, faminta por um olhar compassivo. Não encontra nenhum. Pelo contrário, só vê acusação. Olhos semicerrados. Lábios apertados. Dentes rangendo Olhares que sentenciam sem ver.

Corações de pedra, frios, que condenam ser sentir.

Ela abaixa o olhar e vê pedras nas mãos deles — as pedras da justiça cujo propósito é o de, com pedradas, arrancar-lhe a lascívia do coração. Os homens apertam-nas tanto que as pontas dos dedos ficam brancas. Apertam-nas como se as pedras fossem o pescoço desse pregador que eles odeiam.

Em seu desespero, ela olha para o Mestre. Os olhos dele não têm o brilho feroz. “Não se preocupe,” sussurram aqueles olhos, “está tudo bem.” E pela primeira vez aquela manhã, ela vê bondade.

Quando Jesus a enxergou, o que viu? Viu-a como um pai vê a filha crescida ao entrar na igreja rumo ao altar nupcial? A mente do pai volta correndo pelo tempo, vendo sua menina crescer novamente — das fraldas às bonecas. Das salas de aula aos namorados. Da festa de formatura ao dia do casamento. O pai vê tudo isso ao olhar para a filha.

Quando Jesus olhou para essa filha, será que sua mente correu de volta no tempo? Será que ele reviveu o ato de formar essa filha no céu? Será que ele a via como a criara originalmente? O que deseja que façamos com ela?

Ele poderia ter perguntado por que não haviam trazido o homem. A Lei o condenava da mesma forma. Ele poderia ter perguntado porque estavam subitamente tirando o pó de uma velha ordem que havia ficado nas prateleiras por séculos. Mas não o fez.

Apenas ergueu a cabeça e falou:

— Acho que, se nunca cometeram um erro, têm o direito de apedrejar esta mulher. Voltou para baixo o olhar e começou a desenhar na terra outra vez.

Alguém pigarreou como que para falar, mas ninguém falou. Pés se arrastaram. Olhos baixaram. Então ploque…ploque.. . ploque… pedras caíram ao chão.

E eles se afastaram. A começar pelo de barba mais branca e terminando com o de mais preta, eles se voltaram e partiram. Chegaram como se fossem um, mas se retiraram um a um. Jesus disse à mulher que erguesse o olhar.

— Não há ninguém para condená-la? — Ele sorriu quando ela ergueu a cabeça. Ela não viu ninguém, apenas pedras — cada qual uma lápide em miniatura para marcar o túmulo da arrogância de um homem.

— Não há ninguém para condená-la? — ele havia pergunta do. Ainda existe um que pode fazê-lo, pensa ela. E ela se volta para ele.

O que ele deseja? O que fará?

Talvez ela esperasse que ele a censurasse. Talvez esperasse que ele se afastasse dela. Não estou certo, mas uma coisa eu sei: O que ela recebeu era algo que jamais esperava. Recebeu uma promessa e uma ordem.

A promessa: “Então nem eu tampouco a condeno.”

A ordem: “Vá e não peque mais.”

A mulher volta-se e caminha para o anonimato. Ninguém mais a vê ou ouve falar dela. Mas de uma coisa podemos ter certeza: naquela manhã em Jerusalém, ela viu Jesus e Jesus a viu. E se pudéssemos de alguma forma transportá-la ao Rio de Janeiro e permitir que ela se postasse à base do Cristo Redentor, sei qual seria a sua reação.

— Esse não é o Jesus que vi — diria ela. E estaria certa. Pois o Jesus que viu não tinha coração duro. E o Jesus que a viu não tinha olhos cegos.

Contudo, se pudéssemos de algum modo transportá-la ao Calvário e permitir que ela se postasse à base da cruz. . . você sabe o que ela diria. “É ele”, murmuraria. “É ele.”

Ela lhe reconheceria as mãos. As únicas mãos que não haviam segurado pedras naquele dia foram as dele. E também nesse dia não seguram pedras. Ela lhe reconheceria a voz. E mais áspera e mais fraca, mas as palavras são as mesmas: “Pai, perdoa-lhes. . .” E lhe reconheceria os olhos. Como poderia jamais esquecer-se daqueles olhos? Límpidos e cheios de lágrimas. Olhos que a viam não como era, mas como deveria ter sido.

– do livro “Seis Horas de uma Sexta-Feira” de Max Lucado, Copyright Editora Vida (1994).
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